Brasil ainda sofre com a destinação do lixo
Jefferson Klein
Apesar de ter passado quase uma década da instituição da Política Nacional de Resíduos Sólidos, através da Lei nº 12.305 de 2010, o Brasil ainda tem muito a avançar quanto à gestão do lixo que produz. Conceitos como logística reversa, que prevê que o produto descartado volte para a sua origem, não estão totalmente estabelecidos no País, o que gera uma quantidade considerável de rejeitos. Conforme dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em 2017, alcançou-se o patamar de aproximadamente 78,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos no País. O montante coletado foi de 71,6 milhões de toneladas, o que significa que 6,9 milhões de toneladas de rejeitos não foram objeto de coleta e, consequentemente, tiveram destino impróprio. No tocante à disposição final dos resíduos sólidos recolhidos, cerca de 42,3 milhões de toneladas, o equivalente a 59,1%, foram dispostas em aterros sanitários. Notícias sobre negócios são importantes para você?>> Assine o JC e receba conteúdos como este onde você estiver. Descubra como! << O restante, que corresponde a 40,9%, acabou despejado em locais inadequados por 3.352 municípios brasileiros, totalizando mais 29 milhões de toneladas de resíduos em lixões ou aterros controlados, que não possuem o conjunto de sistemas e medidas necessários para proteção do meio ambiente contra danos e degradações, com prejuízos diretos à saúde de milhões de pessoas. Os recursos aplicados pelos municípios em 2017 para pagar todos os serviços de limpeza urbana no Brasil, segundo a Abrelpe, foram, em média, de R$ 10,37 por habitante por mês. O diretor da área de inovação e projetos especiais do Menos 1 Lixo, Wagner Andrade, ressalta que a realidade do País ainda é a de muitas cidades com lixões a céu aberto e de taxas de reciclagem pequenas, além de políticas de logística reversa na área industrial muito embrionárias. Andrade chama a atenção também para o comportamento de muitos consumidores que não fazem a separação e a gestão de seus resíduos de forma correta. “Eu avalio que, de fato, depois desse período todo, a gente andou muito pouco”, lamenta. O movimento Menos 1 Lixo é uma plataforma de educação ambiental que nasceu em 2015 com o objetivo de falar sobre a responsabilidade de um consumo consciente. “O poder do indivíduo é muito importante na transição que queremos percorrer”, frisa Andrade. Apesar de acreditar que seria possível ter avançado mais, o diretor do Menos 1 Lixo diz que, se for olhado de uma forma mais otimista, vários municípios implantaram aterros para fazer a gestão de rejeitos de uma maneira mais estruturada. Mais de 2 mil cidades, de acordo com ele, já adotaram medidas para garantir a destinação correta dos resíduos. “É claro que ainda tem muito a avançar, e, de fato, o que percebemos é que o movimento da indústria está apenas começando. E, se a indústria não vier junto para esse movimento, e deixar de responsabilizar o consumidor, como geralmente faz, essa transição vai demorar mais 10 anos para acontecer”, alerta. Para Andrade, um conjunto de fatores fez com que a Política Nacional de Resíduos Sólidos não se desenvolvesse mais rapidamente. Porém a principal causa foi a falta da vontade política. “O Brasil tem uma coisa muito interessante que são as leis que não pegam, e acho que a Política Nacional de Resíduos Sólidos é uma delas.” O diretor do Menos 1 Lixo considera que o setor industrial, quando percebeu que a cobrança não era tão grande sobre a questão, “deixou a corda solta”, seguindo seu processo de expansão e desenvolvimento, e não priorizou práticas de responsabilização quanto ao volume de resíduos que gera no mercado. Andrade ressalta que, quando a pressão popular começou a ganhar força nos últimos cinco anos, principalmente em função da pauta do plástico, e mobilizações aconteceram, a indústria se movimentou. “O indivíduo tem um poder muito significativo que é o da carteira”, enfatiza. O integrante do Menos 1 Lixo detalha que se um consumidor deixa de comprar um produto, pois uma empresa não demonstra sua responsabilidade ambiental, essa companhia começa a se adaptar.
Economia circular é uma tendência global
A Política Nacional de Resíduos Sólidos balizou o início de um processo que ainda precisa ser otimizado, avalia o coordenador do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Walter Lídio Nunes. O dirigente reforça que, hoje, há uma grande discussão sobre a economia circular, que ainda parece algo novo no Brasil, mas é uma realidade crescente no mundo. A economia circular consiste em uma ideia ampla que envolve inclusive o design do produto (para o seu reaproveitamento), pensar nos resíduos gerados, na possibilidade de reuso, entre outros pontos. “A economia circular é uma visão da cadeia como um todo.” Nunes salienta que a logística reversa e o tratamento dos resíduos sólidos são fatores que envolvem vários atores públicos e privados, sendo uma solução conjunta (abrangendo prefeituras, indústrias, consumidores etc.). Para ele, uma questão que precisa ser ressaltada é a educação ambiental, com o descarte adequado do rejeito. O dirigente vê resultados positivos na logística reversa do setor de lâmpadas, por exemplo, apesar de ainda ter espaço para evoluir, e recorda que o segmento de medicamentos ainda é um processo em discussão. Nunes acrescenta que nem todo estabelecimento está preparado para receber determinados tipos de resíduo. Contudo, ele enfatiza que, se o ponto comercial não aceitar esse rejeito, é preciso que oriente o consumidor sobre o local em que o material pode ser descartado.
Reciclus já coletou 5,5 milhões de lâmpadas desde 2017
Para avançar na questão da logística reversa, o setor de lâmpadas instituiu a Reciclus, organização formada e sustentada por fabricantes e importadores dessa área. Desde o começo das operações da iniciativa, a partir de janeiro de 2017, foram coletadas em torno de 780 toneladas de lâmpadas, o que representa cerca de 5,5 milhões de unidades. O analista de Sustentabilidade da Reciclus, Gabriel Monti, afirma que, antes de começar o programa, apenas 4% das lâmpadas de mercúrio (como é o caso das fluorescentes) tinham a destinação adequada e, agora, mais do que a metade tem seu encaminhamento correto. “O nosso objetivo é envolver toda a sociedade e a cadeia produtiva em um movimento único e estruturado de coletas de lâmpadas e viabilizar uma destinação final ambientalmente adequada”, reforça. É possível consultar no site da Reciclus um ponto de recebimento desses rejeitos mais próximo, que pode ser lojas de material elétrico ou de construção, supermercados, entre outros. Apesar de os pontos de coleta facilitarem a vida do consumidor e da indústria, Monti reforça que a obrigação de receber as lâmpadas com mercúrio é de todas as unidades que vendem esses materiais. “Se você coloca para comercializar lâmpadas, pilhas e baterias, embalagens de óleo e de agrotóxico ou pneus, tem, sim, a responsabilidade de recolher após o descarte dos clientes”, enfatiza. Atualmente, a Reciclus possui 1.930 pontos de coletas instalados no Brasil, espalhados por 712 municípios. O programa é voltado exclusivamente para o descarte do consumidor doméstico e não há custo para o cliente ou para o estabelecimento que recebe a entrega. Já as empresas e grandes indústrias precisam descartar suas lâmpadas através dos planos de gerenciamento de resíduos de cada uma delas. Os subprodutos derivados da reciclagem de lâmpadas são aproveitados por outras atividades econômicas. O vidro, depois de livre da possibilidade da contaminação, é encaminhado pelas recicladoras principalmente para a indústria de cerâmica. Os metais que compõe o produto são enviados, por exemplo, para o segmento automotivo, e o mercúrio é destinado para empresas químicas. Monti salienta que o programa da Reciclus está muito bem consolidado no Rio Grande do Sul, com uma enorme adesão. Hoje, 70 municípios gaúchos participam da iniciativa e ficou estabelecida a meta de 75. As cinco cidades que terão instalados os coletores ainda neste ano são Canela, Colinas, São Lourenço do Sul, Capão do Leão e Santa Cruz do Sul. Pelo acordo setorial, o Estado precisa ter 293 pontos de coleta nos 75 municípios abrangidos, e, hoje, existem 271 locais. Após 2021, quando terminará o cronograma original da Reciclus, a ideia é formalizar parcerias com prefeituras e órgãos ambientais regionais para fazer a coleta de lâmpadas por campanhas ou mutirões nas cidades menores. “Em determinado dia, a Reciclus passará com um caminhão fazendo o recolhimento desses itens nesses municípios pequenos”, comenta.
Setor de medicamentos quer regulamentar a destinação
Se o segmento de lâmpadas já tem uma logística reversa constituída, outra área da economia, a de medicamentos, ainda busca se estruturar. O presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, informa que o setor discute com o Ministério do Meio Ambiente a elaboração de um decreto para regulamentar a política de resíduos sólidos para esses produtos. O acordo setorial não foi fechado até agora pois houve propostas diferentes entre atacado, varejo e indústria quanto à questão. Por isso, o decreto é necessário, porque substituiria o acordo setorial”, argumenta. O obstáculo para consolidar o acerto até o momento, conforme o dirigente, foi a repartição de custos, a definição do que caberia para cada um dos elos da cadeia. Para Mussolini, a legislação é muito clara falando em responsabilidade compartilhada. “O próprio governo não está entregando o que poderia efetivamente entregar, que são os aterros sanitários para podermos colocar nossos produtos”, destaca. Os aterros sanitários são destinos adequados para os medicamentos, assim como a incineração. Mussolini informa que Rio Grande do Sul e Santa Catarina são os estados que mais têm aterros sanitários classe 1, onde os produtos, em tese, poderiam ser colocados. São quatro estruturas em cada um desses dois estados. “No Brasil inteiro, temos apenas 17 aterros sanitários (com capacidade para recolher medicamentos)”, lamenta. Se a maioria desses complexos está concentrada na Região Sul do País, Mussolini questiona como fazer a destinação adequada nos outros estados. Outro ponto discutido pelo setor com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é a necessidade de uma classificação de riscos. “É óbvio que o resíduo de um antibiótico é uma coisa e de um medicamento para dor de cabeça é outra”, destaca o presidente-executivo do Sindusfarma. O dirigente frisa que um comprimido de vitamina C ou com ácido acetilsalicílico não representaria risco para o meio ambiente e não justificaria uma destinação específica, que poderia sair mais cara do que o próprio produto. “Procuramos fazer uma fórmula que não onere ainda mais o consumidor”, afirma. As farmácias que fazem o recolhimento dos medicamentos adotam essa postura por uma estratégia de marketing, pois esses estabelecimentos não são obrigados a isso. O dirigente considera essa medida como um diferencial de mercado, pois o público com maior consciência ambiental dá preferência a farmácias que recolhem os medicamentos.
Fonte: JC
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